A teoria de dupla (ou múltipla) personalidade é razoável e possui bases teóricas inquestionáveis. Será? Eu não acredito em duas personalidades em uma pessoa. Eu acredito em muitas pessoas dentro de um corpo.
Vejamos Fernando Pessoa, o exemplo mor do assunto em questão. Ele não possui personalidade múltipla, e sim identidades múltiplas (os famosos heterônimos). O que diferencia este homem que criou inúmeras pessoas diferentes para "incorporar" de uma pessoa normal? Não muita coisa.
Tomemos por exemplo você mesmo, leitor que dedica uma fração de seu tempo para este artigo, você é a mesma pessoa todos os dias? Você é o mesmo de quando você era criança? Você é o mesmo quando está apaixonado? Estressado? Ou mais importante ainda: Você acredita que isso se trata apenas de desenvolvimento humano ou mudanças de humor/estado de espírito?
Eu quando estou irritado me torno uma pessoa extremamente agressiva, no entanto bem mais observador. Um "au" a mais que o cachorro solta me deixa pra explodir. Fico ainda impaciente com o tempo. Este é meu algoz e dana de nunca passar. Por outro lado, quando estou feliz, aflora o Rodrigo atencioso e paciente, que quer aproveitar o dia ao máximo, pois cada segundo se torna o mais importante da minha vida.
Como os heterônimos de Pessoa, meus "Rodrigos" também apresentam gostos bem peculiares. O Rodrigo bem-humorado ama ler. O Rodrigo irritado prefere correr. O Rodrigo apaixonado se acha na poesia, e o magoado, também.
Mas aí você leitor me questiona: mas isso são características, gostos que são inerentes a você e suscetíveis à mudanças de humor. E eu te pergunto: Você acredita que Pessoa não tinha disso também?
Não digo de humor. Mas achar que Pessoa não gostava do campo, apenas Caeiro, como isso? Caeiro era Fernando Pessoa e vice-versa. Durante a rotina do dia-a-dia nós temos que assumir diferentes papéis: A Kelly do trabalho é diferente da Kelly de casa; A Lívia da reunião com os amigos é diferente da Lívia assistindo o jogo do Vasco. E isso, essa rotina massante do fazer constante, nos faz não só incorporar novos, ou diferentes, comportamentos. Acabamos por criar novas pessoas. Nem que a pessoa queira ela muda no trabalho. Podem ocorrer leves mudanças, mas a essência é a mesma.
Outro exemplo bastante comum que é conveniente utilizar neste momento é o auto-diálogo. Dúvido que você nunca tenha conversado consigo. Segundo o esquema comunicativo, tão famoso na linguística, pra haver comunicação tem de haver dois enunciadores. E se você for os dois, você acredita que a Thamiris que escuta é a mesma que questiona? Se fosse não haveria conversa, questionamento ou conflito.
Agora, relendo este post, eu mesmo me pego em conflito com os "eus" em mim. Uma parte de mim acha bobagem postar isso, a outra acha interessante.
Não vejo esse interior interpenetrado por turbilhões de identidades como um mal. Afinal, do caos nasce a ordem. Dos muitos "eus" em mim nasce o Rodrigo inteiro. Por isso digo: Não sou um de várias maneiras! Sou muitos em um só. Sou simplesmente eu e os muitos de mim.
Nada melhor para terminar este post como as palavras do próprio Fernando Pessoa:
"Eu que me aguente comigo
E com os comigos de mim"
E, em meio a essa multiplicidade, penso eu:
Pensar no eu.
Mas quem, verdadeiramente, sou eu?
Eu sou um...
Eu sou um em um milhão.
Eu sou um milhão."