domingo, 7 de agosto de 2011

L

- Havia muito L não sentia nada. Nem dor, nem ódio, nem amor, nem paz, nem nada. Em algum ponto a vida o fez assim. Um coração preguiçoso, enferrujado e minguante. L simplesmente ocupava o espaço que lhe cabia no tempo. Sem planos, acreditava nos que a rotina o impunha. Sem enganos, ansiava pelo fim da estrada sem atentar para o caminho. Pelo menos era o que eu via nele. – disse Roberta, com voz de saudade.

- Nossa! E como se conheceram? – disse uma amiga qualquer.

- Em um resgate.

- Han?

- Eu estava sentada na areia da praia. Mergulhada nos meus pensamentos, daqueles que você não quer nem colocar a ponta dos dedos, quando o vi passar. Alguma coisa nele me chamou a atenção... sabe amor à primeira vista?

- Sim.

- Então, era algo completamente diferente disso. Não consegui decifrar a tempo (na verdade, não consegui decifrar até hoje), vi sua carteira caindo e corri para alertar o homem. Ele me sorriu vazio ao receber o objeto e agradeceu. Perguntei o que lhe afligia, ele respondeu “o silêncio”. Achei a resposta curiosa, indaguei o porquê. Quando dei por mim, estava caminhando junto ao homem, escoando os pensamentos nos quais estava me afogando.

“As coisas, por muitas vezes, são menos do que se espera e mais do que se vê”, ele me disse quando comentei algo sobre lírios. Confessei-lhe que havia feito uma pessoa sofrer. Disse que me sentia culpada, pois a pessoa simplesmente não merecia o que eu havia feito. “A culpa nada mais é que o crédito por algo errado que se fez, mas quem decide o que é certo e errado?”. L era muito inteligente, notei. E bonito também, notei depois. Estava me apaixonando, notei tarde demais.

“É difícil... quando a vida o molda para o contrário. Um sorriso verdadeiro... você me entende?”. Claro que eu o entendia. Enxergava além daquele rosto constante. Olhava-lhe nos olhos e via todas as histórias que não me eram contadas. Queria ter estado sempre do lado dele. Talvez as coisas tivessem sido diferentes. Talvez...

“Preciso ir...” ele disse. Pensei: “Você não pode fazer isso! Eu te amo!”. Entretanto, sorri por entre os lábios e o beijei com os braços. Ele pareceu assustado, como quem não espera que algo lhe aconteça. Pela primeira vez em nossa caminhada, seus olhos mudaram. Seu rosto se fez. Seu sorriso se abriu. “Obrigado...” ele disse. Eu queria lhe falar mil coisas! Mas me perdi nas palavras. De alguma forma, as próprias palavras eram espaços entre nós.

- Foi isso? – perguntou a amiga, soando desapontada.

- Sim. Apenas isso. Uma conversa. Um encontro. Uma troca de olhares. Um sorriso. Duas pessoas que nunca mais serão as mesmas, tenho certeza.

- E quem era ele?

- Ele era Carlos Eduardo. Era meu pai. Era minha mãe. Era minha professora do primário. Era meu irmão... meu amigo. Ele era você... e eu. Ele era todos nós.

“You better let somebody love you before it’s too late.” Johnny Cash.